Contribuintes têm conseguido, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), reduzir a tributação sobre imóveis em doações e heranças. Desembargadores estão determinando, como base de cálculo do ITCMD, o uso do valor venal do IPTU – geralmente menor em relação ao de mercado.
O entendimento, de acordo com a Procuradoria Geral do Estado (PGE), contraria precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, por outro lado, é citado em algumas decisões favoráveis aos contribuintes. Existem aproximadamente 10 mil ações sobre o tema em acompanhamento pela PGE.
Uma das decisões foi proferida recentemente pela desembargadora Silvia Meirelles, da 6a Câmara de Direito Público do TJSP. Ela concedeu liminar em agravo de instrumento apresentado por um contribuinte, derrotado em primeira instância (processo no 2017662- 74.2022.8.26.0000).
Na decisão, a desembargadora cita a legislação paulista sobre o assunto. Lembra que a Lei no 10.705, de 2000, que trata do ITCMD, estabelece que deve ser aplicado como base de cálculo o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. E que decreto posterior, de no 55.002, de 2009, traz uma alternativa que, porém, seria inconstitucional.
A norma estabeleceu a possibilidade de alteração do valor venal com base em pesquisas de mercado, “incidindo em aumento de imposto, em desconformidade com o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal”.
Para ela, seria viável o pedido do contribuinte. A magistrada levou em consideração a possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, na medida em que os agravantes serão obrigados ao recolhimento do tributo, com “grande dificuldade em sua repetição [ressarcimento]”.
Lembrou ainda que há a possibilidade de o Estado instaurar procedimento administrativo de arbitramento do valor venal do bem, nos casos em que não concordar com o declarado ou atribuído pelo contribuinte.
A PGE pretende recorrer da decisão.
Esse valor, de acordo com os ministros, pode coincidir com o de mercado, “não se confundindo com o valor venal adotado para fins de IPTU ou ITR”.
Na decisão do STJ, o relator, ministro Gurgel de Faria, afirma que precedentes judiciais sobre a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que é o valor de mercado e não o usado para o IPTU, poderiam ser aplicados.
No caso do ITBI, em fevereiro, o STJ afastou definitivamente a aplicação do valor venal do IPTU como base de cálculo (REsp 1937 821). A 1a Seção, em recurso repetitivo, entendeu que o imposto deve ser pago com base no valor da transação imobiliária. Também afastou a possibilidade de adoção de valores de referência fixados pelas prefeituras.
De acordo com a advogada Camila Xavier, do escritório LO Baptista, no precedente sobre ITCMD, o STJ faculta o arbitramento da base de cálculo quando o valor declarado pelo contribuinte for incompatível com o valor real de venda. Por isso, acrescenta, o julgado é citado em decisões favoráveis do TJSP.
“O STJ traz que a base do ITCMD não se confunde com a do IPTU, mas não a afasta como forma válida de definir o valor real do imóvel, até porque este parâmetro é expresso na legislação”, afirma a advogada.
A decisão do STJ é citada em duas liminares favoráveis aos contribuintes confirmadas em 15 de março por diferentes turmas do TJSP. Em uma delas, a 13a Câmara de Direito Público decidiu que é correto usar para base de cálculo do ITCMD a mesma do IPTU. Para o relator, desembargador Borelli Thomaz, nem teria sentido jurídico haver duas situações, totalmente díspares, para referências tributárias sobre o mesmo imóvel (processo no 1015309-50.2021.8.26.0053).
Em processo analisado pela 6a Vara da Fazenda Pública da Capital, o contribuinte questionava uma exigência feita pela Fazenda do Estado de pagamento do ITCMD com base no valor de referência utilizado para o cálculo do ITBI (processo no 1051665-44.2021.8.26.0053).
Na decisão, que concedeu o pedido do contribuinte, a juíza Liliane Keyko Hioki afirma que o artigo 38 do CTN prevê que “a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos” e não o valor venal de referência (valor de mercado).
Ela acrescenta que, contudo, o Estado não pode ser impedido de, mediante procedimento próprio e específico com a garantia do contraditório, conforme previsto no artigo 148 do CTN, proceder ao arbitramento do valor venal, que sabidamente representa o valor de mercado do bem. A decisão foi mantida pela 4a Câmara de Direito Público do TJSP.
De acordo com a tributarista Camila Xavier, somente neste mês mais de 140 processos foram submetidos ao Tribunal de Justiça para discutir a atribuição do valor usado para fins de IPTU como base de cálculo do ITCMD.
Fonte: Valor Econômico